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Redes de aprendizado e afeto

Nos 10 anos do curso de Jornalismo da UFRRJ, a universidade vira um mundo

 

Rejane Moreira*

 
Era 1992, na UFF de Niterói. Meu namorado, que acabara de deixar três longos anos de estudos no curso de Direito da UFRJ,  tinha entrado para o curso de Psicologia. Um tempo depois me convidou para a aula de filosofia de um professor que considerava muito especial, Claudio Ulpiano. Me arrumei e fui para aula do tal professor. Fui apresentada como namorada, nunca mais Claudio me chamou pelo nome. A aula era em uma sala pequena do prédio no Valonguinho, e éramos não mais que 15 pares de olhos brilhantes diante de tanta destreza com as palavras e o pensamento. Foi uma bela experiência de encontro, que tento (re)encontrar a cada aula que ministro, nesses 20 anos como professora.

Depois daquela aula, mudei. Mudei ali. Daquele momento em diante, a universidade era pequena para minha ânsia por novos saberes. Por isso, o bar, o cinema, as repúblicas que frequentava eram trincheiras de conhecimento. Um filme novo era debatido, o álbum daquele cantor nigeriano era ouvido com atenção, os livros de antropologia, filosofia, comunicação e psicologia eram devorados em grupo e sempre compartilhados com os parceiros. A universidade se abria para a generosidade intelectual e espiritual, constituindo espaços de afetos e convívio. Percorri muitos e múltiplos espaços diferentes da sala de aula, pois, a partir da aula do Claudio, o mundo tinha se transformado numa grande sala de aula e, também, a sala de aula tinha se transformado no mundo.

Essa rede construída por mim, enquanto aluna, não é diferente das múltiplas redes que se constituíram nesses 10 anos do curso de Jornalismo na Rural. São diferentes e diversas histórias de encontros, de trocas de solidariedade ou políticas, do franco cuidado com o outro, ou longas tardes de estudos que marcaram as dez turmas que passaram pelo curso. Os relatos que colhemos foram sempre emocionados e emocionantes e traçaram linhas de força que aliaram afeto e memória.


Constituir memória aliada ao afeto é o que nos ensina Bergson, em seu importante tratado Matéria e Memória. A memória é duração, e a duração é uma experiência que acontece quando abrimos certas linhas de forças não atualizadas. Nessa perspectiva, elencamos aqui, diversas linhas de forças que constituíram memórias afetivas de alguns de nossos alunos, nesses 10 anos. Buscamos mais do que representar, mas apresentar pequenas e potentes histórias de convívio e afeto, que podem nos mostrar como rememorar é reinventar a história que vale a pena ser contada, como nos indica Paul Veyne.

Para essa tarefa de construção textual, que consideramos mais afetiva do que jornalística, ousamos no formato. Em busca de narrativas que utilizaram sem constrangimentos a percepção individual como prática, ousamos em trazer relatos que confluem narrador e objeto narrado em um só termo. Assumimos duplamente a comemoração dos 10 anos do curso e o relato imersivo, subjetivo e pulsante de cada memória que acionamos no desenho da escrita.
Esperamos que vocês possam, com esses relatos, (re) descobrir que a força e a beleza de uma universidade pública consiste em produzir gente, que muda suas histórias e encontra, na sua inteireza, trancos estéticos fundamentais para se ancorar em novas paragens. E assim…

 

 

Do lugar onde estou já fui embora 

A lama do meu quintal 

O carro da galera 

Em grupo a gente aprende

 

 

*Rejane Moreira é docente do curso de Jornalismo da UFRRJ.

 

 

Postado em 03/11/2020 - 21:41 - Atualizado em 16/11/2020 - 13:04