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O carro da galera 

 

Rejane Moreira*

 

A turma de 2015 teve no carro de Priscilla um refúgio e, acima de tudo, um espaço de solidariedade e apoio. Foram inúmeras vezes que o Fiat Uno Vivace, ano de 2012, chamado por ela, carinhosamente, de “Furreco”, socorreu amigos e parceiros da universidade de tempo ruim e da escuridão. “A Rural é muito grande, os prédios são distantes uns dos outros, os caminhos são desertos e escuros, a segurança é precária, o curso é noturno…”, explica Priscilla.

A história da carona afetiva e generosa vem de longe. A família da Priscilla desde sempre foi “caroneira” e são várias as suas memórias que recorrem ao hábito solidário da família: “eu cresci com minha mãe dando carona aos parentes e amigos, então é um hábito de casa”, diz. Se essa experiência passada de geração em geração se repetiu na Rural, foi por causa das condições precárias de acesso. Aliado a isso, a preocupação principalmente com a condição vulnerável da mulher na universidade. Por isso, Priscilla priorizava as meninas, que sempre buscava deixar próximas à porta de casa ou em um ponto de ônibus seguro. “Eu me sentia muito bem e aliviada por saber que foi menos uma noite de insegurança na existência de uma mulher, ainda que num ato tão simples. E eu também tinha companhia!”, revela.

 

 

O trajeto mais frequentado pelo “Furreco” era da Rural ao km 49, lugar marcado por praças e pontos de ônibus mais iluminados. O carro, em que cabiam cinco pessoas oficialmente, levava até 11 ao mesmo tempo, mas sempre com o cuidado de não passar a divisa da Rural para resguardar  a segurança de todos.

O “carro da galera”, como era chamado mais comumente o “Furreco”, substituiu, por muitas vezes, o Fantasminha, ônibus interno da Universidade, que acolhia com mais eficiência os alunos dos cursos diurnos e vespertinos. Para os alunos que moravam no alojamento, o transporte sempre foi a bike. Então, restava aos alunos noturnos forjar redes de apoio com as idas e vindas dos prédios distantes.  

 

 

No carro se constituíam laços de afetos com estudantes de outros cursos, papos mais íntimos, comentários sobre a rotina de todos e trocas sentimentais. O carro também funcionava como uma espécie de “rádio corredor das novidades”. “A gente já se abrigou de chuva forte no carro, de calor intenso no ar-condicionado, já economizou dinheiro de passagem pra fazer lanche ou pra tirar cópia”, explica a estudante Mariana Brito.

Muitos guardam com carinho aquele ato de generosidade e partilha, como descreve Mariana: “O carro da Pri era o nosso ponto de encontro pós- aula. Ela, sempre generosa, oferecia carona pra todo mundo. ‘Vai pro 49? Entra aí!’, ‘Vai pegar o ônibus? Te deixo no ponto!’. Teve uma vez que ficou tão cheio que a Ingrid, nossa amiga, foi na mala. Nosso encontro no carro era sempre afetuoso e divertido. Durante a viagem, que durava cerca de dez minutos, em vista da curta distância, a gente ia conversando, rindo e escutando músicas no rádio. Se pararmos pra contar, de dez em dez, o tempo no carro chegava a 50 minutos por semana e cerca de 3 horas por mês. Sabe se lá quais multiplicações ou regras de três precisamos fazer para contabilizar os 4 anos… Somos de humanas. Mas podemos afirmar o mais importante: não existe conta para explicar com exatidão como aquele pequeno Fiat Uno foi gigante, igual coração de mãe, durante a nossa trajetória na Rural. Ele tem muita história pra contar!”.

 

*Rejane Moreira é docente do curso de Jornalismo da UFRRJ.

 

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Postado em 03/11/2020 - 22:37 - Atualizado em 16/11/2020 - 15:17