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Editorial

 

10 anos

 

O Jornalismo não acabou. Ele está apenas começando. E num lugar em que muita gente diria improvável: em Seropédica, na Baixada Fluminense, bem perto da outrora Vila de Itaguaí, onde Machado, em tempos remotos, plantou a Casa Verde de Simão Bacamarte. Fica ali no Km 47 (no logradouro, Km7, da antiga rodovia Rio-São Paulo), cenário parecido com aqueles de personagens migrantes de documentários do cinema nacional. À beira da estrada, prédios imponentes num terreno a perder de vista lembram uma novela de época: é a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 

Ingredientes de um bom roteiro de ficção. Na verdade, a história desse Jornalismo tem um quê de visionário. O curso foi sonhado pelo professor Antonio Carlos Nogueira, do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, no momento em que a Universidade aderia ao Programa de Expansão da Educação Superior do governo Lula, o REUNI. Nogueira tem doutorado em Ciências da Comunicação e, na época em que se pensavam quais cursos a Universidade incorporaria ao programa, era diretor do Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Enxergava na implantação do Jornalismo a possibilidade de melhorar as trocas informacionais e a gestão da comunicação na Rural, além, é claro, de formar profissionais também num território mais distante da cidade do Rio de Janeiro.

No momento em que as universidades necessitavam de investimentos e eles viriam apenas com a rubrica de novos cursos, muita gente entrou na Rural para desafiar. Eram os novos professores, aprovados nos concursos públicos. Mas, ao mesmo tempo em que os recebia afetivamente, a Universidade não lhes oferecia infraestrutura de trabalho. Os cursos antigos e já consolidados continuaram seus caminhos e os novos tiveram que desbravar o período noturno. 

Enfim, um curso periférico de Jornalismo, numa Universidade de tradição nas Ciências Agrárias e Biológicas e que se caracteriza por abrigar estudantes de todo o país. Hoje, a Rural é a principal instituição pública de ensino, pesquisa e extensão por excelência de uma região que  abarca a Zona Oeste do Rio e da Baixada Fluminense. Fica longe da UFRJ, da UERJ, da UFF, da PUC, dos grandes programas de pós-graduação em Comunicação, dos centros culturais, de bibliotecas públicas importantes, dos teatros, cinemas de arte, dos museus e livrarias da moda. O caminho para as empresas jornalísticas e as assessorias de mídia, potenciais fornecedoras de estágio aos alunos, é igualmente tortuoso e desgastante. 

Nenhum dos medalhões da área leciona aqui, até porque o curso é novo e a lonjura não é, por assim dizer, um atrativo. Seropédica é distante do centro nervoso da capital fluminense e, ao que parece, não tem glamour. Até para alunos e professores das regiões circunvizinhas, a Rural é distante. A Supervia não chega até aqui. Os trilhos do MetrôRio, para quem se aventura a estudar no Km 7, acabam em Coelho Neto. As linhas de ônibus são ineficientes, a maioria dos veículos não tem ar condicionado e uma viagem de Nova Iguaçu à Rural pode levar muito, muito tempo. Sem contar a distância interna de um prédio a outro, percorrida na fantasmagoria de um ônibus superlotado ou na travessia de caminhos ermos, sujeita a encontros inesperados e violentos.

Um curso de Jornalismo periférico, com tudo o que a sinonímia da palavra permite. As aulas, majoritariamente noturnas, acontecem em diferentes institutos, menos em função de uma interdisciplinaridade necessária à formação de futuros repórteres e editores, e mais pela falta de espaço. Muitas vezes não há sala de aula disponível. A seção de estudos pode começar no prédio do Instituto de Tecnologia, passar rapidamente pelo bandejão e seguir para o Instituto de Biologia.

O cenário bucólico-pastoril, onde capivaras descansam languidamente à beira de um lago, indiferentes ao movimento dos estudantes, parece contrabalançar o esforço da gincana diária. Nas salas de aula e fora delas, professores lutam com o que têm e o que não têm para remediar a falta de laboratórios de áudio, vídeo, fotografia e hipermídia. O resultado mais evidente são trabalhos premiados em vários cantos do país, reconhecidos por instituições acadêmicas e culturais de prestígio, que chancelam o alto nível técnico e de conteúdo das produções.

A criatividade e a perspicácia de quem vê, ouve e navega o mundo pelas margens se transformam em documentários, ensaios jornalísticos, curtas metragens e matérias especiais que estremecem o senso comum do que se tornou o ensino e, por tabela, o próprio Jornalismo de grande mídia neste país. A consequência menos evidente disso tudo, e talvez a mais significativa, são mudanças sutis na vida dos envolvidos: alunos aprendem coisas que nunca sonharam e professores se desapegam de certezas e pedagogias empedradas.

Um Jornalismo periférico é, antes de tudo, outro. Do lugar do fazendão, que é a Rural, da imensidão dos matagais que miram a velha estrada Rio-São Paulo, das construções que insistem em nos lembrar que somos um país do latifúndio e de enormes disparidades, alunos e seus professores desafiam a precariedade e partem para a briga. Ocupam assessorias de comunicação em diferentes departamentos da própria Universidade; discutem Benjamin e Foucault em grupos de pesquisa; pegam câmera e microfone e transformam em telejornal; criam blogs de teoria da comunicação misturada com mídia sonora e fotografia e, ainda, escrevem monografia sobre transficcionalidade em minisséries televisivas. 

O periférico é ao mesmo tempo ordeiro e anárquico. Olha com desconfiança aos ditames da grande mídia e da ideologia de mercado, mas não perde o rebolado quando precisa incorporar práticas discursivas de gêneros e formatos que consagraram a profissão. Não rompe com o mundo nem com os manuais de redação. Prestes a adentrar a terceira década do novo século, aproveita o empoderamento e a autonomia que recebe da tecnologia digital e sai criando coisas.

Nesse Jornalismo mambembe, caseiro e artesanalmente sofisticado, aprende-se a transcender as limitações impostas pelo analógico, até porque não dá para esperar um estúdio de rádio cair do céu ou uma ilha de edição de TV descer da nave mãe, e, então, passa-se a questionar a fixidez das fronteiras. A geografia se torna mais humana do que física; a Rural, menos agrária e mais cosmopolita, e o Jornalismo, menos sisudo e mais atrevido. 

Não há o que não possa ser revisto, trabalhado, chacoalhado nesse Jornalismo das margens da Rodovia. Não há o que não possa ser amado. Mas, ainda, há muito o que ser feito. Alguém gritou: vamos fazer aniversário! E esta revista eletrônica, meio site, meio blog, meio almanaque, surgiu da vontade de comemorar isso tudo.

Confeccionada durante um dos períodos mais malucos da história política e sanitária de nosso país, reuniu alunos e professores de forma remota, digital e transcendente. Quer ser o memorial de um lugar que tem o peso do Pavilhão Central, a intensidade do trânsito da estrada e a leveza do vento que sopra nos matagais. Não dá conta de nos definir. Mas é a nossa cara.

 

Feliz Aniversário, Jornalismo da Rural!

 

 

Postado em 16/09/2020 - 17:28 - Atualizado em 16/11/2020 - 16:58