Relações de Poder e Cultura são conceitos polissêmicos que se constituem em categorias centrais para a análise histórica. Surgem como referências obrigatórias no estudo de uma ampla gama de objetos de investigação: mundos do trabalho, movimentos sociais, cidadania, religiosidade, cultura material, cultura iterária, cultura historiográfica, cultura política e ideologia. Ao adotar este foco para a área de concentração do nosso programa de pós-graduação, recusamos uma separação dicotômica entre história política e história social. Ao contrário, enfatizamos o entrelaçamento entre ambas, gerando realidades complexas e multifacetadas, que podem ser recortadas e abordadas de formas diversas, dependendo do referencial teórico e analítico adotado.
Esta linha de pesquisa integra projetos que focalizam as relações e manifestações de poder nas sociedades, os usos da linguagem, evidenciados nas práticas intelectuais e nos processos de produção, circulação e recepção de ideias, representações, saberes e modalidades discursivas diversas, a partir de diferentes recortes temáticos e temporais, favorecendo enfoques transculturais e interdisciplinares.
Parte-se de uma compreensão ampliada da noção de poder que ultrapassa as categorias da história política tradicional, como Estado, soberania, governo etc., para considerá-lo como efeito do funcionamento e dinâmica das relações e práticas sociais constituídas historicamente, acentuando a multiplicidade dessas relações na configuração e institucionalização de espaços, hierarquias e redes sociais, em suas diferentes formas e contextos, para além da dualidade das relações de dominação/resistência, tornando mais complexo o estudo das mediações culturais, das práticas políticas e intelectuais.
Os usos da linguagem – compreendida nos diversificados modos (textuais, imagéticos, sonoros) de elaboração simbólica da experiência, partilhados e controlados socialmente – está na base das relações socioculturais, nos diferentes tempos e contextos históricos. As práticas intelectuais se delimitam e se organizam a partir de relações de força que modelam e hierarquizam os saberes, os regimes discursivos, as representações, as identidades coletivas, os grupos, as instituições e os indivíduos que os produzem.
Entre as possibilidades de pesquisa vinculadas às reflexões sobre o problema da linguagem, destacam-se os estudos no campo da história intelectual, que privilegiam, entre outros temas: a história dos conceitos; a história da historiografia e das questões e noções teórico-epistemológicas, envolvidas na elaboração do conhecimento histórico; a história das ideias; e a história das práticas culturais e representações coletivas.
A partir de uma abordagem interdisciplinar, entre os focos possíveis de investigação da história intelectual, além dos próprios atores históricos das produções intelectuais, estão as condições e os contextos de produção, recepção, circulação e apropriação de representações coletivas, ideias, conceitos, teorias, imagens e visões de mundo, incluindo também a análise das construções da memória social, dos protocolos e estratégias discursivas, das dimensões materiais e retóricas dos textos, obras e documentos, a partir da reconstrução de seus significados históricos.
Pesquisadores vinculados à linha:
Esta linha de pesquisa integra várias dimensões da história social, em diálogo com abordagens da história econômica, da história política e da cultura, privilegiando as relações de poder, as construções identitárias, os mundos do trabalho e as práticas culturais no âmbito das hierarquias e identidades do Antigo Regime e no processo de desenvolvimento do capitalismo. Enfoca os processos de participação política, as lutas por direitos e cidadania e as relações de poder entre atores sociais e estruturas institucionais numa dinâmica global.
A emergência dos processos de independência na década de 1960, e de novos movimentos sociais em todo o mundo, que levaram a questionamentos importantes pautados por reivindicações identitárias diversas – de nacionalidade, étnicas, raciais e de gênero – suscitaram, ao mesmo tempo, intensos debates historiográficos voltados para a necessidade de integrar vários outros grupos e categorias analíticas em sua relação com a classe e levaram à aproximação entre a história e a antropologia. Incorporaram-se abordagens etnográficas à análise dos processos históricos, atentando-se para a cultura como campo polissêmico e conflitivo, em suas manifestações materiais e em suas práticas simbólicas produzidas e produtoras das práticas sociais, procurando-se um sentido de pertencimento social sem reduzi-lo a seus determinantes.
Esta linha de pesquisa enfoca costumes, valores e práticas culturais, em suas múltiplas temporalidades, que definem e são definidas pelas relações sociais no trabalho, na vida cotidiana, nos espaços de lazer e da vida familiar. Rituais, festas e celebrações, passando pelos usos da lei, as artes e a literatura, colocam-se ao lado da releitura de objetos de estudo mais tradicionais, como os da organização sindical e de partidos políticos como temas relevantes que conectam diversos aspectos da vida social em suas relações com a política compreendida de forma ampla. Tais elementos permeiam também os processos de trabalho e as relações de produção, nos quais as relações étnico-raciais e de gênero passaram a ser pensadas como parte indissociável, integrante e constituinte dos processos de formação de culturas de classe, de transformação social e de organização de relações de poder.
Estamos atentos, portanto, às múltiplas formas pelas quais o poder se constitui, incluindo a formação de identidades, a instituição de hierarquias e trajetórias de mobilidade social, pautadas por lógicas e dinâmicas diversas em diferentes temporalidades. Trata-se de compreender tais lógicas em momentos diferentes e explicar como são apropriadas por grupos sociais distintos.
Os eixos investigativos apontados colocam no centro dos interesses as discussões sobre o local e o global. Por um lado, a perspectiva micro analítica possibilita, além de construir e tecer trajetórias individuais, desafiar e recompor o contexto de uma história global não eurocêntrica; por outro lado, o desenvolvimento da pesquisa sobre regiões até recentemente não estudadas começa a criar condições para uma história que evite a aplicação de modelos gerados a partir de estudos empíricos focados em regiões consideradas “centrais”, para propor explicações que considerem relações com processos mais amplos. Nesse sentido, o esforço de integrar a experiência de uma diversidade de agentes sociais individuais e coletivos para além das fronteiras do Estado-nação em histórias conectadas e transnacionais, comparativas e integradas tem proporcionado um rico exercício de renovação historiográfica, por meio da análise do processo de circulação internacional de capital, mercadorias, pessoas e ideias e o papel das instituições na construção de relações de poder.
Pesquisadores vinculados à linha:
Postado em 06/09/2011 - 16:37 - Atualizado em 07/02/2021 - 21:21