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TCC: pesquisa que nasce e floresce na Baixada Fluminense

 

Por Ivana Barreto *

 

Com algumas ideias na cabeça e vontade de ouvir professores e ex-alunos, comecei a pensar num texto que desse conta da trajetória do TCC no Curso de Jornalismo da Rural. Apuração finalizada, intuí que a maneira mais honesta de construir a narrativa seria lançando mão do uso da primeira pessoa, uma tentativa de inserir informações e, claro, minhas impressões, num processo que me envolve e desafia há exatos 10 anos. Tentativa, igualmente, de tecer histórias, guiada por um olhar subjetivo, humanizado. 

Sim, penso ser fundamental me deixar perpassar por subjetividades quando a tarefa implica a elaboração de um texto sobre as produções que marcaram o final da trajetória acadêmica na graduação. Afinal, muitos deles foram os primeiros de suas famílias a ingressarem e concluírem o curso superior em uma instituição pública de ensino. E os resultados obtidos até agora revelam que a maioria superou obstáculos de toda natureza, fechando um ciclo repleto de significados. Para nós, professores, seus companheiros de travessia, é a certeza de que participamos minimamente da formação de sujeitos sociais. Sem dúvida, o TCC na graduação em Jornalismo da Rural tem uma trajetória peculiar, inserido que está no contexto de um curso criado para preencher uma lacuna no ensino superior público de jornalismo na Baixada Fluminense, região periférica do Rio. Vale lembrar: até 2010, só existiam instituições privadas nessa área geográfica.

Ciente dos riscos que corro pela distância que me separa de Talese ou Capote, abrirei mão do relato engessado, cronológico, para falar de percursos. Aqui e ali, obviamente, disponibilizarei informações que julgo relevantes para retratar seis anos de orientações, bancas e comemorações num coletivo que conhece a maioria do corpo discente pelo nome.  Não importa quantos tenham passado pelo curso. Lembramos de cada um e do processo, mais ou menos traumático, que representou o final da graduação. 

 

TCC no Jornalismo da Rural

 

Com o objetivo de proporcionar uma experiência de produção intelectual que simbolize o término da graduação, o TCC representa o momento em que o estudante apresenta um pouco da visão de mundo desenvolvida durante o curso. Etapa obrigatória de acordo com as Diretrizes dos Cursos de Jornalismo, na Rural o aluno tem desde 2017 – depois da reformulação do Projeto Pedagógico de Curso (PPC) ocorrida dois anos antes – a opção de escolher entre a monografia e o trabalho prático. Enquanto em outras universidades é obrigatória a realização das duas modalidades de TCC, na UFRRJ ele pode optar entre uma e outra. Essa possibilidade de escolha, amplamente discutida pelo Núcleo Docente Estruturante (NDE) e pelo colegiado do Curso, reflete uma proposição curricular voltada bem mais para linguagens do que para técnicas. Além disso, dá ao estudante sem muita familiaridade com o texto científico justamente a chance de experimentar as linguagens com as quais teve contato ao longo da graduação. O projeto prático deve vir acompanhado de um memorial/relatório.

Quanto ao objeto do trabalho, a escolha do aluno não precisa ficar restrita ao universo do Jornalismo, podendo a pesquisa estar relacionada ao campo mais amplo da Comunicação. No que diz respeito aos temas propostos, tem existido pluralidade. Com expressivo número de estudos de caso, metodologicamente têm sido realizadas análises detalhadas de um determinado objeto.  Algumas delas apresentam um enfoque mais local, voltadas para o cenário da Universidade, da Baixada ou do Rio de Janeiro.

Órgão consultivo, deliberativo e supervisor da execução do TCC, o Núcleo de Monografia (NUGRAF), é composto por dois membros: um coordenador e um vice, indicados pelo colegiado do Curso, sendo responsável pelas atividades relativas à execução das disciplinas Projetos em Jornalismo I, Projetos em Jornalismo II e TCC 2. Todos os semestres, os alunos do sétimo e oitavo períodos recebem por e-mail os seguintes documentos: Regimento do TCC, Perfil dos professores (com as respectivas áreas de interesse de cada docente) e Ficha de Orientação, que deve ser preenchida pelos estudantes, indicando três opções de orientadores. 

 

 

Desafio

 

A incorporação dos projetos práticos ao PPC foi vivenciada por professores e alunos como um desafio, que chegou na época em que o curso ainda enfrentava problemas relacionados à logística física e à falta de equipamentos. As dificuldades persistem, porém os trabalhos continuam a ser desenvolvidos com doses de prazer, criatividade e, claro, estresse. 

Importa ressaltar que o processo de adequação do PPC contou com ampla participação discente, permitindo a compreensão coletiva das demandas surgidas com as materialidades tecnológicas da contemporaneidade. Assim, o ensino e a pesquisa em Jornalismo passaram a ser entendidos como eixos que reproduzem, produzem e difundem linguagens. Nesse contexto, tendo como norte as diferentes linguagens que constituem a práxis dos veículos midiáticos, os trabalhos práticos de final de curso ganharam relevância. Como parte das consideradas competências pragmáticas, esperadas dos alunos dos últimos períodos, essa modalidade de TCC, entre outras habilidades, demonstra o domínio de uma ou mais linguagens midiáticas e formatos discursivos empregados na produção da informação, nos diversos meios e modalidades tecnológicas de comunicação. Igualmente, ao realizar um trabalho dessa natureza, o formando fica diante do desafio de mostrar habilidade em relação ao instrumental tecnológico – hardware e software – utilizado na elaboração de material jornalístico. Além disso, ao optar pela realização de um projeto experimental, ele deve ainda revelar a formação teórica adquirida na graduação.

Para o colegiado do curso, a resposta acadêmica dos trabalhos práticos tem sido positiva. Em quatro anos, foram produzidos vídeos e livros-reportagem, documentários para rádio e TV, grandes reportagens impressas, revistas e produtos no formato digital, como portais de informação, para citar alguns exemplos. Autora de um trabalho prático na conclusão da própria graduação e professora da área de fotografia do curso, Cecília Figueiredo não considera essa modalidade de TCC mais simples de ser executada, representando, para ela, “uma outra forma de gerar reflexão”. Eleita por alunos que desejam trabalhar temas ligados à fotografia ou à imagem, lembra o objetivo de muitos deles: estabelecer um contraponto entre a imagem enquanto narrativa hegemônica e seu papel na mídia alternativa. Observa que, vez ou outra, o estudante busca alguma inovação narrativa, tendo como ponto de partida a mídia tradicional. 

 

Depoimentos

 

Para a produção deste texto, entrei em contato com quatro ex-alunos do curso, solicitando que me contassem um pouco dos seus percursos na Rural e do papel do TCC dentro e fora do contexto acadêmico. À medida em que ouvia os áudios, me lembrei da convivência com cada um deles. Além de todos terem cursado disciplinas por mim ministradas, Caíque Pereira foi meu estagiário no blog ICHS em Foco e Luis Henrick Teixeira orientando em TCC. Com Rodrigo Cabelli e Ana Beatriz Felizardo, encontrei nas aulas, nos papos na cantina, nos corredores.

Caíque, na contramão da maioria dos alunos, já no primeiro período na Rural procurou Simone Orlando, sua orientadora de TCC, para ajudá-lo a definir um tema para a monografia. Por ter feito iniciação científica, publicado artigos e participado de eventos, considera que seu processo monográfico foi relativamente tranquilo. Mas quando falou do vazio sentido após a defesa, me fez sentir, mais do que entender, a fala de Rejane Moreira aos calouros de 2020, no único encontro que com eles tivemos antes da pandemia: “a Rural é uma missão”. Concordo plenamente com minha colega de curso, também companheira de travessia nesses 10 anos na Universidade. Caíque me remeteu à importância das parcerias e dos afetos no Jornalismo da Rural, destacando o apoio, que virou amizade, de Simone Orlando e como a graduação pode ser, sim, “o lugar da empatia, potência, descoberta, superação”. 

 

 

Luís Henrick, com criatividade, sem poder abrir mão do estresse, finalizou Sangue G: documentário sobre doação de sangue por LGBT no Brasil, em 2018, motivado pelo apoio e parceria dos colegas de curso Jaqueline Suarez, Yago Monteiro e Douglas Colarés.  Na edição do material bruto das entrevistas e na conclusão do memorial, foram noites em claro, especialmente quando a internet da Universidade travava. Mas Luís dividiu algumas madrugadas e angústias comigo, em longos áudios de whatsapp. Na defesa, com a sala 7 do ICHS cheia, banca e convidados ficaram atentos à narrativa sobre as dificuldades enfrentadas pela comunidade LGBT no Brasil para a doação de sangue. Antes de gravar o áudio para essa matéria, ele frisou, numa conversa comigo, seu maior aprendizado: “Jornalismo não se faz sozinho”.

 

 

Contudo, Rodrigo Cabelli já tinha passado pela mesma prova de fogo em 2017, na defesa do primeiro trabalho prático do curso, Tubo de Ensaio: Um portal de divulgação da ciência, orientado por Alessandra de Carvalho, para quem “o ideal é o TCC promover uma reflexão sobre o fazer jornalístico ou sobre o cotidiano”. Perguntei a Rodrigo, meu aluno em duas disciplinas, o papel da trajetória acadêmica e do TCC para ele. Como vinha estudando e produzindo material sobre jornalismo científico com Alessandra, inclusive para a Reunião Anual de Iniciação Científica (RAIC), teve alguma facilidade. Por outro lado, na época estagiando no SBT, acordava de madrugada, ia para a emissora e ainda dedicava tempo para pensar o projeto. Como ressaltou, o TCC foi uma das experiências que mais marcaram sua vida, seu crescimento, assim como “o curso de Jornalismo e os aprendizados em toda a graduação”.

 

 

No encontro virtual com Ana Beatriz para a produção deste texto, recordamos algumas passagens suas no curso. Falou, empolgada, da descoberta do Núcleo Universitário Negro da Rural (NUN), através de uma oficina de dança afro; revelou, então, ter sido por meio da dança, do movimento do corpo preto, que começou a resgatar sua ancestralidade: “No NUN tive o primeiro contato com jovens negros nascidos em famílias extremamente políticas, que já lutavam pelos direitos dos pretos. Foi muito inspirador, um divisor de águas na minha trajetória universitária, pois durante um bom tempo da minha vida os direitos da minha ancestralidade foram apagados”.

 

 

Ana também destacou o prazer da estreita parceria com Flora Daemon, sua orientadora,  e da troca enriquecedora com Paula Beatriz de Carvalho e Oliveira, coorientadora, cientista social e mestre pelo Programa de Pós-graduação em Cultura e Territorialidade (PPCULT) da UFF.  Parceria profunda, envolvendo um longo processo de produção do TCC – Kbela e a experiência diante da imagem, raça, gênero e classe, a partir dos lugares das mulheres negras, voltado para o premiado curta-metragem carioca da diretora Yasmin Thayná (PUC-Rio), que propiciou, segundo ela, a transformação da sua subjetividade em produção de conhecimento. 

Não poderia finalizar este relato de outra maneira, dando voz à subjetividade, às impressões. Lembrei de uma conversa justamente com Flora, quando ela falou do impacto para seu próprio percurso na Rural, da orientação de Ana Beatriz. Por isso, resolvi pedir que igualmente gravasse um áudio sobre sua experiência no TCC do curso de Jornalismo. Pedido aceito, ela me fez perceber que o caminho eleito para essa matéria talvez tenha sido o melhor. Numa fala convicta e humanizada, recordou a responsabilidade de buscar a “voz autoral de cada aluno” e frisou: “Bia foi uma parceira de verdade”.  Concluindo seu relato, lançou luz no aspecto que, acredito, corresponde ao entendimento do corpo docente do curso: “Nossa pesquisa tem CEP. Ela nasce e floresce na Baixada Fluminense”. 

 

 

Sim, Flora tem toda razão. É o motivo do nosso orgulho.

 

Por fim, lembro que este texto, além de ouvir alunos, reflete meu diálogo com a maioria dos professores do Curso. Uma construção coletiva. 

 

 * Ivana Barreto é docente do curso de Jornalismo da UFRRJ.

Postado em 12/11/2020 - 16:18 - Atualizado em 16/11/2020 - 12:56