Voltar Home Curso Jornalismo

A periferia vai ao Intercom

Jornalismo da Rural dá visibilidade à Baixada Fluminense em congressos acadêmicos

 

Ana Lúcia Vaz  e Jaqueline Suarez*

 

Bonde da Rural, no Intercom Sudeste 2017

Longos trajetos de ônibus, cruzando regiões esquecidas pela mídia e pelos governantes, fazem parte do cotidiano de quem aprendeu a circular pela Baixada Fluminense para estudar na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Esse cotidiano marca o perfil dos trabalhos jornalísticos feitos pelos estudantes do curso de Jornalismo. É o que afirmam os alunos que apresentaram seus trabalhos em congressos regionais e nacionais de Comunicação.

“A nossa identidade ruralina foi sendo construída a partir das nossas vivências. E isso foi levado pro Congresso”, lembra Andreza Almeida, uma das autoras do primeiro trabalho de estudantes da Rural apresentado numa Expocom. Ela, Alerrandre Barros e Gian Cornachini entraram na universidade em 2011 e participaram da Expocom em 2014, com a reportagem multimídia “Comunidade Dilma Rousseff – uma história de luta por moradia”.

Vitória Quirino, que entrou na Universidade em 2015, compartilha a mesma visão. “Acredito que o lugar ajudava a construir histórias e contar histórias que foram importantes para a construção de cada jornalista que saiu da minha turma, pelo menos.” Junto com Giulia Scuri, parceira de muitos trabalhos de faculdade, lembra do mergulho em Seropédica, já no segundo período, para produção de reportagem para a revista Maritaca. “A gente passava o período inteiro apurando. Ficava indo e voltando, conversava com um, com outro e andava pela cidade tirando fotos. Foi uma experiência incrível!”, lembra Giulia. Na Expocom de 2017, Vitória, Giulia e Matheus Queiroz apresentaram a reportagem de rádio “Da porta pra fora”, classificada entre os cinco melhores trabalhos.

Estar entre os classificados e poder apresentar seu trabalho já é motivo de muita satisfação. A premiação é motivo de euforia, seja do próprio trabalho ou do trabalho dos colegas. A festa é coletiva.

 

“Sim, tem Jornalismo na Rural!”

 

Capivaras: identidade ruralina na Intercom 2017

Um curso novo e desconhecido, numa universidade distante do centro e com poucos recursos materiais. Esta é a imagem compartilhada pela maioria dos que se aventuram a disputar a Expocom. Em 2016, estudantes do curso conquistaram dois prêmios regionais, com a revista “Contraponto” e com a reportagem “Para sempre mães de anjos”. Para Jaqueline Suarez e Luís Henrick, o prêmio espantou a “síndrome de vira-lata” do corpo discente do curso. “A gente chegou muito humilde, muito feliz só de estar ali entre os classificados. Aí, quando a gente vai pra cerimônia de premiação e ganha… Uau! Como assim?”, recorda emocionada, Jaqueline. Gian lamenta que só chegou à Intercom no seu último ano de faculdade. Revendo trabalhos antigos, percebeu que tinha muita coisa com qualidade para disputar prêmio na Expocom. Com sentimento semelhante, Luís Henrick e Jaqueline voltaram para a faculdade dispostos a carregar mais colegas para a exposição.

Em 2017, “Tem jornal na Rural” se tornou uma espécie de grito de guerra dos estudantes. “A gente estava com esse sentimento mesmo: a gente não é vira-lata, a gente é muito bom!”, lembra Priscila Silva. Seu grupo recebeu o prêmio regional daquele ano com o rádio documentário “A rua ouvida: a melodia dos artistas de rua”. Para Priscila, Jaqueline Suarez e Luís Henrick marcaram a memória da Intercom: “eu não esqueço da foto deles em Salto, na premiação de 2016”. Em 2017, fruto de muita mobilização dentro do curso, a Rural enviou um ônibus cheio para a regional em Volta Redonda, com direito a camisetas, faixas e muita festa. “A gente mostrou que tem Rural! Foi uma galera, as turmas se uniram. E a gente gritava – ‘Rural’ – e as pessoas passavam e perguntavam: o que é Rural? Onde que fica isso?”, lembra Priscila. Naquele ano a Rural teve nove trabalhos classificados e dois prêmios na Expocom Regional.

Tem jornal na Rural: a virada afetiva de 2017

No ano seguinte, foram dez trabalhos classificados e dois prêmios regionais em radiojornalismo: “Rio em crise, #UERJ resiste” e o programa “Artéria natural”, este em parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso, apresentado na Expocom Centro-Oeste. As condições mudaram. Em 2013, quando produziram a reportagem multimídia sobre a comunidade Dilma Russef, Alerrandre, Andreza e Gian usavam seus celulares para gravar e a câmera particular de um deles. Havia poucos gravadores disponíveis para os alunos. Juan Melo entrou no curso em 2017 e já entrou na caravana para Volta Redonda. Desde então, participou de todos os congressos. Ele, Nícolas Teixeira e Raíssa Rodrigues ganharam o primeiro prêmio nacional da Rural na Expocom, em 2019, com o rádio-documentário “Muito tiro, pouca aula“. Eles garantem que a alta qualidade dos gravadores, que chegaram no curso em 2018, foi fundamental para o sucesso na Expocom. Outra mudança indispensável foi o apoio da Universidade com passagem e hospedagem, o que viabilizou que fossem apresentar o trabalho no Pará. Giovanna Bandeira e Alex Basilo receberam o prêmio regional de 2019 com o programa de rádio “Dia de roda: o Rap como resistência”. Giovanna também destaca a importância dos gravadores de qualidade.

Mas os “perrengues” ainda são parte do processo. “A gente aprende que pode fazer muito com pouco”, avalia Alerrandre. “A edição foi no computador do Juan. O quarto virou nosso estúdio. Chegamos a dormir na casa dele”, lembra Nícolas. Transformar quartos em estúdios sonoros é outra marca da “identidade ruralina”. Gian lembra do sufoco para fazer as passagens sem ruído, no seu quarto. “Estava ficando bom, dava um ruído, tinha que começar de novo!” Giulia lembra do quarto do Matheus e das passagens “Abre a janela pra não dar eco, desliga o ventilador e morre de calor…”

Gabriela Moliver comemora o prêmio de reportagem audiovisual, no Expocom 2017

Essas dificuldades reforçavam a pouca confiança na qualidade do próprio trabalho, competindo com universidades que dispunham de todos os recursos tecnológicos e técnicos. Ao mesmo tempo, criaram um outro valor. “É porque é muito sofrido. Só a gente sabe o que sofre pra fazer esses trabalhos!”, brinca Gian. A premiação na Expocom ganha sentido de conquista coletiva. “Quando o grupo da Priscila ganhou, cara, acho que eu nunca senti tanta felicidade na minha vida! A gente tava comemorando como se fosse uma copa!”, lembra Vitória. O grupo de Luis Henrick já havia recebido um prêmio, naquele ano, com a reportagem audiovisual “Gentrificação no Vidigal: o processo das remoções diretas e indiretas”, quando foi anunciado o prêmio do outro grupo ruralino. “A Gabriela estava segurando o troféu. Na hora, a gente pulou tanto, que ela ficou com uma parte do troféu em cada mão. Foi muito engraçado.

Para Priscila, o senso crítico que aparece nas reportagens e produtos dos estudantes de Jornalismo da Rural é fruto da bagagem de quem se acostuma às longas viagens através da Baixada. “A gente vê mais sobre os lugares, abre a percepção. Equipamento é superimportante, mas não é o principal. Jornalista não é um técnico, jornalista é um agente social.” Nos trabalhos apresentados pelos estudantes da UFRRJ nas exposições de Comunicação, surgem, como protagonistas, sujeitos invisíveis para boa parte da sociedade. Nossos alunos viram, ouviram, se envolveram e se encantaram com os artistas de rua e das periferias, os moradores e militantes das favelas e das regiões mais pobres da Baixada Fluminense, as populações atingidas pelas políticas de remoção do Estado, as comunidades indígenas. Sensibilidade construída neste lugar periférico rural, mas também como expressão da própria realidade. Muitos alunos, eles mesmos vindos de espaços periféricos no que diz respeito ao poder de expressão social. Esses alunos parecem encontrar, na formação acadêmica e na vivência coletiva característica de um campus periférico, o poder de expressão que lhes parecia negado. O resultado são matérias jornalísticas sensíveis, produzidas com paixão, senso crítico e rigor técnico.

Para construir esta matéria, fizemos uma chamada pública nas redes que congregam alunos e ex-alunos do curso de Jornalismo da Rural. Colhemos depoimentos, fotos, vídeos. Também realizamos dois encontros virtuais ao vivo para conversar sobre essas experiências. O resultado foi uma construção coletiva, característica do nosso curso. Imagens e áudios de lives ou filmagens feitas com celulares que pulam durante a comemoração do prêmio não são modelos de qualidade técnica. Mas criatividade e competência técnica para compor narrativa envolvente a partir deste material diz muito sobre nossos alunos.

 

*Ana Lúcia Vaz é docente do curso de Jornalismo da UFRRJ. Jaqueline Suarez é jornalista, ex-aluna da UFRRJ.

 

 

Postado em 26/10/2020 - 12:50 - Atualizado em 18/11/2020 - 09:16